top of page
  • João Ponciano

"Ricardo e Vania": Os Caminhos do Preconceito


Em “Ricardo e Vania”, o autor e jornalista Chico Felitti narra a história de Ricardo Correa da Silva e de Vania, o grande amor de sua vida. O livro parte da reportagem “Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece” escrita por Chico e publicada no Buzzfeed em 27 de outubro de 2017. A reportagem parte da curiosidade do autor por uma figura tão conhecida, porém tão desumanizada e hostilizada em São Paulo. A partir disso se inicia a busca pelo nome e origem do fofão da augusta, que mais tarde fica conhecido como Ricardo Correa da Silva.


Pouco tempo após a publicação da reportagem, Ricardo acaba falecendo e cabe a Chico, que se viu tão envolvido com sua história, dar a notícia para seus familiares. É nesse momento que a história toma outro rumo e nos apresenta Vania, uma mulher transexual que viveu com Ricardo durante anos e foi considerada pelo próprio o grande amor de sua vida.


Vania conheceu Ricardo em sua adolescência, quando ainda se chamava Vagner e veio para São Paulo morar com o irmão. Foi assim que os dois se conheceram e juntos construíram uma história que mesmo anos depois nunca foi esquecida por nenhum dos dois. Foi com Vagner que Ricardo começou sua jornada com o silicone, que inicialmente era para deixa-lo como uma boneca de porcelana e mais tarde foi o que lhe deu a aparência que originou o apelido “fofão da augusta”. Anos depois de sua história com Ricardo, Vania parte para Paris onde mora até hoje e onde teve diversos nomes, como Vênus, Babette, Kara, entre outros.

Quando se lê a história de pessoas como Ricardo e Vania, é difícil não pensar como o preconceito contra a comunidade LGBT, principalmente numa época como os anos 80, os levou para caminhos que ambos não tinham pretensão nenhuma de seguir. Por conta da epidemia de aids nos anos 80, o salão que Ricardo possuía com Vagner em Araraquara se viu as moscas, chegando à falência. Foi nesse momento que Vagner, mesmo amando Ricardo decide fugir do relacionamento abusivo que eles tinham e tempos depois, parte rumo a Paris.

Em Paris, Vagner se identificou como mulher transexual, se tornou Babette e, assim como tantas outras mulheres como ela, se viu fadada a prostituição. Assim como Babette, que depois passou a possuir diversos nomes por conta de sua profissão, mulheres trans são obrigadas a se prostituir, já que esse é o único emprego que lhes resta em uma sociedade tão preconceituosa como a nossa. A meta então passa a ser a Europa, onde o mercado sexual é grande e da uma esperança para mulheres que saem de todos os cantos do Brasil.

Histórias como a de Ricardo e Vania são de extrema importância, principalmente para a comunidade LGBT atual, que como Vania diz “já pegaram mastigado. Não só mastigado, já pegaram engolido, praticamente”. Em um momento de tão pouca aceitação e falta de diálogo, mostrar a vida de pessoas tidas como marginais e vistas como sem valor nenhum para a sociedade as humaniza e as aproxima do leitor, que apesar de não ver nenhuma semelhança num primeiro momento, passa a se identificar e apreciar estas histórias. “Ricardo e Vania” não poderia ter sido escrito por alguém diferente de Chico Felitti, que com uma escrita tão real e ao mesmo tempo tão sensível e respeitosa, não só conta a história de Ricardo como também faz justiça a todo assédio que o mesmo foi submetido em toda sua vida, desde os dias em Araraquara até seus últimos momentos como “fofão da augusta”, o que certamente o torna uma inspiração para qualquer jornalista que procura contar histórias que importam e que façam a diferença.

bottom of page